Praticabum. Teco, telecoteco. Lá vem o
carnaval. O ritmo do Rio é samba, é marchinha, é sonoridade e
saracoteio. Do movimento das ondas do mar ao ondear dos galhos na
floresta da Tijuca, tudo é balanço, cadência, malemolência.
Ao longo do ano, sem dúvida, o Rio é
sempre carnaval. Porém, a festa se entranha no comedimento do dia-a-dia.
Mas, reparando, dá pra ver o balanço do copo de chope na mão do
executivo de gravata afrouxada no final da jornada de trabalho; no
quadril da professorinha que encara o trem pra dar aulas no subúrbio
distante; no baticum da moeda batida pelo trocador de ônibus no ferro do
banco ao seu lado; no ritmo marcado pelo pezinho da gatinha na Praia de
Ipanema, com seu iPod de última geração no ouvido.
Há um permanente, subterrâneo,
enrustido carnaval no apito cadenciado do guarda de trânsito; no
sacolejar das curvas do Metrô; nas perigosas inclinações da moto do
entregador serpenteando no trânsito; na movimentação das ondas humanas
nas arquibancadas do Maracanã...
Prestem atenção: até as sirenes das
ambulâncias do Rio têm um ritmo e uma harmonia carnavalescos, como a
zombar alegremente da dor. Talvez haja carnaval até no ra-ta-tá das
submetralhadoras empenhadas nas guerras de quadrilha, carnavalizando a
violência que tanto fere a carne e a alma do Rio.
Isso tudo existe ao longo do ano, pois
grande parte da carioquice é carnavalesca. Mas no carnaval tudo se
explicita, se mostra sem vergonha, revelando ao mundo sempre perplexo e
encantado o reinado sem igual de Momo.
Na época de carnaval, parece que um
surdo faz a marcação da vida no Rio. Da tela da TV aos barracões das
escolas de samba, tudo acontece em torno do carnaval. A preparação da
festa, desde vários meses, deixa no ar um clima diferente. Parece que um
zum-zum-zum vem se formando durante muito tempo, primeiro num rumor
surdo, talvez existente apenas no fundo dos corações dos foliões,
depois se impondo e se exibindo, até explodir nos quatro dias de folia.
Claro que o carnaval não é mais o
mesmo de ontem, dos tempos ingênuos, das grandes sociedades, dos blocos
de rua, dos bondes conduzindo fantasiados, das centenas de bailes de salão.
Mudou tudo, como a vida muda inevitavelmente.
Hoje é outro o carnaval, um
carnaval-turismo, muito centralizado na passarela do samba. Naqueles
poucos metros, para onde se voltam os olhos do mundo, se exibe
concentradamente a alma carnavalesca da cidade, embora uma alma
encarcerada nos quesitos a avaliar, presa na rigidez das alas de passo
marcado, confinada em fantasias pesadas e alegorias imensas e
tecnologicamente construídas e controladas, ou envergonhada ao ver o
passo desengonçado dos gringos no samba.
Porém, mais uma vez reparando bem, o
verdadeiro carnaval do Rio está lá, vibrante, pulsante, sem igual. Está
no requebrado da mulata calipígia, com a sensualidade saindo por todos
os poros; ou no ritmo incrível dos pés do passista, que desafia as leis
da gravidade com um sorrisão na boca; ou ainda nas mãos calosas que
batem surdos, sacodem chocalhos, percutem caixas, fazem vibrar o tarol.
Onde se encontra tanto romantismo, e um
jogo tão gostoso de corte e sedução, como na evolução do mestre-sala
e da porta-bandeira? Onde se pode ver um mar ondeante de cores tão
vibrantes movendo-se ao som de sambas-enredo que fazem cantar milhares de
vozes vindas das arquibancadas? Onde se pode achar tanta gente,
magnetizada horas e horas, sem cansaço, sem desânimo, vibrando com um
desfile tão belo e grandioso?
Vem aí o carnaval. O Rio é festa. É
amor de braços abertos para todos, do estrangeiro e do Brasil. É
alegria, que se esquece por um breve tempo da miséria, da violência,
das podridões políticas, da brava luta pela sobrevivência.
Chegou o carnaval. A alma carioca se
manifesta como súdita de Momo. O imenso e amoroso coração do Rio
transforma-se num coração-tamborim.
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