Alma Carioca

Apenas um homem comum

J.Carino

Olho as ruas da minha cidade e já não a reconheço. Onde o pôr-do-sol por sobre minaretes avermelhando tudo? Onde a brisa que vem do deserto trazendo um afago cálido da natureza depois de um dia de trabalho? Onde a sombra da tamareira que refresca o corpo e permite a calma da mente?

Ouço os barulhos de minha cidade e meus ouvidos já não os reconhecem. Não me chega aos ouvidos o som que vem da mesquita arrebanhando os fiéis para as preces três vezes por dia, fazendo o corpo se voltar para Meca e o coração para Alá.

Minha cidade está coberta de pó, fumaça e cinzas; os sons de explosões me entram pelos ouvidos e me sacodem o corpo, que treme mergulhado no medo, afogado em pavor.

O céu de minha cidade está negro, como negra está a alma dos que a fizeram ficar assim. Ao invés do sol escaldante porém majestoso e da noite perfumada e coalhada de estrelas, o brilho apavorante de projéteis que cruzam os céus com destino certo: um ponto de destruição, onde haverá corpos despedaçados e habitações em ruínas.

Vagueio atônito por minha cidade. Em minha mente, só perguntas sem resposta: por que tanto ódio, tanta fúria, tanta dor? Por que conosco, pobres mortais, indefesa gente, normalmente pacífica, amante de música, de dança, de alegria?

Não há respostas; existem apenas perguntas que ecoam pela rua, pelo país, pelo mundo; que reverberam apenas nos corações sensíveis, capazes de compaixão.

Ando pelas ruas, sem rumo, sem motivo, sem destino. E mesmo porque já mais nada me resta senão andar, movido pelo instinto da sobrevivência, que já me falece nas entranhas, levando-me ao limiar da desesperança, à vizinhança da falência total da vontade, que acabará por me tornar mais um corpo estendido numa destas esquinas.

Penso no mundo que nos vê, que observa nossa desgraça; que nos olha sendo presos, torturados, mortos; que nos vê despojados de bens e sobretudo de dignidade; que nos olha de longe, do conforto de suas casas, abrigados e aquecidos, como quem assiste a um espetáculo, contemplando entre perplexos e passivos o show proporcionado pelo sofrimento.

Ando pelas ruas e apenas meu coração chora, pois não tenho mais lágrimas que me possam rolar pelo rosto de pele escura tostada pelo sol de minha terra. Choro pelos que amava e que perdi ainda agora: pais, mulher, filhos, os parentes todos, quase todos os amigos.

Sou um homem comum. Não sou um ditador nem um guerreiro poderoso e insensível. Não sou arrogante nem cruel. Não tenho palácios nem riquezas. Não sou o dono do líquido viscoso e negro, cuja valor econômico e estratégico o torna mais importante que a vida, o dom supremo. Então, por que desabam sobre mim todas as desgraças e todas as bombas capazes de ser lançadas pela mão da covardia?

Não tenho raiva, mas pena. Do meu âmago irrompe um irrestível sentimento de pena, que consegue ser mais forte do que o ódio. Pena de nós, seres humanos, capazes de chegar aos extremos da vilania e a inimagináveis requintes de crueldade.

Não quero mais nada, senão a paz. Porém, se ainda posso desejar alguma coisa; se ainda me for dado querer algo; se ainda me concedem um pouco de vez e voz, almejo que cada um pense em nosso sofrimento de hoje, de amanhã, do futuro. E que cada homem, mulher e criança do mundo nos veja não como alvo, obstáculo ou mesmo como motivo de lástima, mas como um espelho, no qual esteja refletida a capacidade humana de odiar, matar, destruir, fazer sofrer. E que essa imagem refletida a partir de mim, um iraquiano comum, de nós, um povo vilipendiado, agredido e sofrido, voe no tempo e no espaço e cale fundo na alma dos que ainda conseguem crer no bem, na justiça e na capacidade humana de amar.

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