Domingo de sol. No país do futebol, a
conquista da Copa do Mundo leva as multidões ao delírio. Festeja-se a
garra brasileira, que venceu as adversidades e levou uma seleção
desacreditada à vitória. O Brasil ganhou.
Mas, nesse mesmo domingo, o Brasil também
perdeu. Em Uberaba, apagou-se uma luz chamada Chico Xavier, a própria
mansidão encarnada num ser humano.
Em meio às inúmeras reportagens dando
conta das barulhentas comemorações, das compreensíveis manifestações
de alegria, alguns minutinhos foram dedicados a esse homem singular,
louvado, admirado e respeitado não somente entre os crentes, mas
igualmente entre todos os agnósticos ou até entre os rude e
intransigentemente ateus.
Aquele rosto com olhos estrábicos, o
semblante de velhinho emoldurado por um indefectível boné, foi mostrado
mais uma vez; novamente - contrariando sua extrema humildade e discrição
- o fenômeno Chico Xavier apresentou-se com seu jeito manso e com a aura
de mistério que sempre o envolveu, por conta da incrível atividade de
medium, de um homem que escreveu centenas de livros, sempre afirmando e
reafirmando sua condição de simples intermediário entre nosso mundo
real, de misérias e injustiças, e um mundo transcendental, povoado de
espíritos dispostos a usar esse excepcional canal de comunicação para
levar consolação e esperança a tanta gente.
Chico jamais polemizou; jamais se
indignou ou sequer defendeu-se com garra nos raros momentos em que sua
atividade, denominada psicográfica, foi questionada. Ao contrário,
manteve-se sempre manso e humilde, porém firme e tenaz em sua crença e,
sobretudo, em seu trabalho.
Ao longo de tantos anos, acabou por
tornar-se uma unanimidade. Volta e meia, alguém famoso e belo na aparência,
porém doente lá por dentro do corpo ou do espírito, aparecia a seu
lado, transformando a visita em notícia. Porém, a prática cotidiana da
bondade, a fé inquebrantável posta a serviço dos semelhantes é que
preenchia os seus dias. O exercício pessoal da caridade e o incentivo
para que todos fossem assim é que marcaram sua trajetória.
Fenômeno? Mistificador? Homem crédulo?
Pessoa de imaginação incrivelmente desenvolvida? Nenhuma dessas
perguntas faz sentido diante daquele semblante, daquele fiapo de voz,
daquele sorriso beatífico permanentemente estampado em seu rosto.
Não tem jeito: diante de Chico, o
Brasil da garra se curva diante da mansidão que toca fundo e faz pensar.
Uma suavidade de gestos faz imaginar um mundo melhor, um país melhor,
mais solidário e mais crente em forças que podem mover mãos e corações
em direção à solidariedade, ao amor ao próximo.
Chico Xavier saiu de cena num dia de júbilo.
Mansamente, como para não atrapalhar ninguém, não interferir nos
risos, que poderiam se transformar em lágrimas para uma legião de
pessoas que foram buscar força, saúde e sobretudo esperança junto a
ele, e jamais se decepcionaram.
Lá se foi o Chico Xavier. Não o homem
que parecia ter poderes sobrenaturais, mas o ser humano simples, modestíssimo,
que deixou para trás gestos de carinho e milhões de palavras
consoladoras, que nunca assumiu como suas, mas que dizia serem de seus
amigos de um mundo espiritual.
Pensando bem, o Brasil jamais perdeu.
Ganhou sempre, e muito, por ter sido a pátria desse homem especial,
feito de amor e mansidão, distribuídos a todos, mesmo a nós que,
embora incréus, ainda conseguimos acreditar na possibilidade da bondade
humana.
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