CÓRREGOS
J. Carino
Rios são poderosos. Exuberantes, sua correnteza demonstra magnificência e força.
Lagos são plácidos. O espelho de suas águas transmite calma e serenidade. Mas
são os córregos que me fascinam. Sobretudo os pequeninos.
Um pequeno córrego é a perfeita imagem da vida, serpenteando liquefeita e cantando
entre os abraços amigos de margens verdejantes.
A sonoridade das águas de um córrego é inigualável. Quem pára atento e ouve, com
os ouvidos do corpo e, sobretudo, com os da alma, tem muito a escutar junto a
um córrego.É inconfundível o som da água lançando-se destemida de encontro às
pedras: ora emite um som cavo, profundo, que pode lembrar gemidos ou aqueles
suspiros que vêm do mais fundo do peito; noutros momentos, há silvos que
induzem à alegria, à festa, à euforia.
Os sons dos córregos nunca se nos mostram sem acompanhamentos. Aqui, o pipilar de
um pássaro que – hábil equilibrista - se lança de um galho para outro da árvore
frondosa que ensombrece trechos da água com sua generosa ramagem.
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Adiante, o
zumbido de uma mariposa milagrosamente equilibrada sobre um folha de capim. E o
próprio rumor do vento, entre troncos, galhos e folhas completa a harmoniosa
sinfonia audível junto a esses pequenos e lindos cursos de água.
Não existe nada mais acolhedor do que a margem de um córrego numa bela manhã de sol
primaveril. Tudo o mais desaparece; a vida se concentra nesse perpétuo fluxo
vital do pequeno córrego.
Nada traz maior sensação de paz do que poder sentar numa pedra dourada pelo sol e ao
mesmo tempo levemente atingida pelos borrifos da água de um córrego.
Pode-se, então, contemplar as águas, rápidas aqui e, acolá,
tranqüilas, nos remansos formados entre as pedras. Esse lagos em miniatura
podem nos oferecer ainda, como um brinde, a visão de peixinhos nadando
graciosamente em águas límpidas – pequenos seres que expõem seus corpos à luz
do sol e, muitas vezes, num complexo balé acrobático, pulam fora da água e se
oferecem à carícia da brisa.
Imensamente gostoso é também o contato do corpo com a água.
Mergulhar a mão, vagarosamente, na água fria é delicioso. Deixar a água correr
sobre o pé dá calafrios e uma indescritível sensação de refrescante prazer.
Caminhar por uma estradinha de terra perdida nos confins do campo e começar a ouvir, lá
de longe, o ruído ainda meio indistinto da água que rumoreja é ser presenteado
pela vida. Aos poucos o cheiro da terra e do mato cortados pela água nos
invade. De repente, a vegetação muda; o verde se torna mais concentrado, mais
escuro; surge, então, uma grota funda, berço natural do pequeno córrego.
Às vezes, se custa a divisar a água límpida, de tal modo se encontra envolta pelas
plantas, como uma exército protetor vestido de verde: o capim exibe suas lanças
pontiagudas em direção ao céu; árvores grandes e pequenas entrelaçam suas
copas. Aos poucos, se vislumbra a água correndo livre e rebrilhando à luz do
dia.
Próximo da água, quase sempre se vêem as flores brancas chamadas de 'copos de leite'. Os cálices delicados,
na ponta de hastes muito finas, parecem estar sendo mergulhados na água pelas mãos de algum
deus sedento, amável e pronto a partilhar conosco a água fresca e o pouso
tranqüilo.
À margem de córregos é comum encontrar a taioba, vegetal comestível, de folhas
largas e ovais. Delícia das delícias é colher a água gelada e cristalina numa
dessas folhas e sorvê-la devagar, agradecendo a benfazeja oportunidade que o
córrego nos oferece para matar a sede.
Córregos são sempre abençoados. Quando nos acercamos deles, essa bênção liquefeita e
cantante nos atinge também. Depois de parar nesses lugares bucólicos, depois de
respirar o ar que os envolve, depois de termos refrescado o corpo e de ter
banhado também a alma, podemos seguir, pois estaremos diferentes, contagiados
pela beleza, singeleza e nobreza
humilde dos córregos, que lá continuarão a cantar e encarnar a simplicidade e a
importância da vida.
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