A Confraria
dos Caminhantes
J.Carino
Estranha e bela esta confraria dos caminhantes. De repente nos damos conta
de que quase todos pertencemos a ela. Em poucos anos, esta onda avassaladora invadiu
calçadões, praças, parques. Sem perceber, fomos engolfados, mergulhados nessa multidão de
andadores, de peripatéticos cultores da boa forma, ou simplesmente de estóicos cumpridores
das imperativas ordens dos médicos - guardiães zelosos de nossas entupidas coronárias.
Uma confraria absolutamente democrática: moços e velhos; gente de todas as
raças; gente abonada e irremediáveis pobretões; "gatinhas" esculpidas e gordotas esbaforidas;
homens de meia idade, com a evidente protuberância que denuncia os chopes, e rapazes
"saradões".
Para mim, o grande exercício não é caminhar; o que vale é a velha e saudável
prática da observação das pessoas, que a esta altura da vida terei muito mais dificuldade
em perder do que minha relativamente modesta barriguinha.
Admiro muito os observadores de pássaros, que viajam milhares de
quilômetros, enveredam por trilhas tortuosas, arranham-se em pontiagudos espinhos, apenas
para contemplar a sem dúvida exuberante obra da natureza. Mas eu prefiro continuar sendo
um observador de gente. E não há melhor lugar para isso do que as congestionadas passarelas
onde desfilamos nós, os integrantes da confraria dos caminhantes.
Lá vêm aquelas três velhinhas tagarelas. Animadas, enérgicas, fingem
que ganham a batalha contra o reumatismo. Cruzam com três senhores aparentemente hígidos,
orgulhosos dos raros músculos que ainda não cederam à inexorável lei da gravidade.
Imagino que nesses olhares que também se cruzam esteja contida uma certa
nostalgia dos tempos passados - tempos dos passeios calmos; tempos de um caminhar conduzido
apenas pelo prazer e pelo romance.
Impressão minha, ou senti, nelas e neles, um suspiro abafado, um peito
arfante não apenas pela caminhada?
Há rostos congestionados pelo esforço; há testas que trazem para cá as
rugas da preocupação. Semblantes alegres parecem festejar a beleza da vida; caras fechadas
denunciam quem não consegue se livrar do mau-humor.
Ah, quanta vida está contida nas gotas de suor dessas moças e rapazes
que nos deixam com inveja e saudosos dos passos rápidos, das corridas de outrora! Moças
lindas transpiram sensualidade, mexendo com a libido de belos rapazes.
São muitos os "plugados": fones no ouvido, corpos e almas embalados
pelo som dos mais recentes sucessos, que só vão durar até amanhã, enquanto alimentam
a voracidade da comercialização musical.
É grande a quantidade de cães, transformados, a duras penas, com as
línguas pendentes, em melhores amigos dos caminhantes.
Agora aumenta a olhos vistos o grupo dos que caminham usando seus celulares.
Uns falam baixo, como que precupados em não partilhar segredos; outros gritam, dando a
impressão de que o convencimento depende da altura da voz e não da solidez dos argumentos;
outros, ainda, me parecem contorcionistas em pleno picadeiro: são os que buscam a posição
ideal para captar o fugidio sinal.
Atravesso, incólume em minha curiosidade, esse mar de rostos e corpos,
essa babel de vozes, esse teatro itinerante dos que caminham. Ao me sentar no final do
calçadão, estou exausto, fatigado; os músculos doloridos de um corpo inteiro imploram a
imobilidade dos preguiçosos; a garganta pede o bálsamo de um líquido gelado. Mas o espírito
parece mais vivo, mais estimulado pela observação de estranhos que parecem amigos, meus
diletos companheiros da confraria dos caminhantes.
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