A exclus�o da classe m�dia



    A igualdade � pressuposto b�sico da democracia, que, sem ela, n�o tem condi��es de sobreviver. Parece prim�rio, mas a tese � ampla e, com oportunidade, pode ser colocada na atualidade do Brasil. Segundo estudo recente do Bird (Banco Mundial), existe entre n�s uma esp�cie de desesperan�a cr�nica que prejudica o desenvolvimento sustent�vel e, de certa forma, enfraquece a democracia.

    Na �ltima edi��o da revista Veja, o colunista S�rgio Abranches, em artigo intitulado Pessimismo econ�mico, traz n�meros que deveriam contradizer essa desesperan�a. Mas ele mesmo reconhece que existe um sentimento de mal-estar econ�mico t�o real quanto a queda da infla��o. Que esse desconforto vem do medo do desemprego, das dificuldades para saldar compromissos, da frustra��o de planos de consumo. Seu artigo finaliza com algum otimismo, dizendo que aos poucos os brasileiros voltar�o a ter melhores perspectivas. Uma conclus�o com a qual n�o posso concordar integralmente, sobretudo diante de um governo atual t�o distante e indiferente � opini�o p�blica. A longo prazo, n�meros podem resolver e apenas parte da quest�o. Para a revers�o de expectativas para um futuro melhor s�o necess�rias algumas mudan�as fundamentais na condu��o da pol�tica econ�mica. A desesperan�a n�o � gratuita e remonta a v�rias turbul�ncias em que se jogou a na��o.

    A verdade � que n�o se pode simplesmente esquecer o passado. Desde o golpe de 64, o pa�s vem sofrendo altern�ncias de crises, de confiscos e desilus�es. Depois de toda a opress�o imposta pelo regime militar, os brasileiros sofreram uma s�rie de golpes frustrantes na economia, desde a crise do M�xico, a morat�ria, os planos Cruzado, Bresser, Ver�o, Collor, fechando o ciclo com a desvaloriza��o cambial do ano passado. E tudo isso dentro de duas d�cadas de atraso, onde o PIB cresceu apenas pouco mais de 0,2% ao ano. Nossa distribui��o de renda agravou-se ainda mais, a ponto de ser considerada uma das piores do mundo. Ser�o explica��es razo�veis?

    A meu ver, como j� escrevi em artigo do m�s passado, ocorreu uma esp�cie de deteriora��o do sentimento de nacionalidade. Admito tamb�m, agravada por uma ruptura nas regras do jogo cooperativo entre os tr�s parceiros da economia: os trabalhadores, os empres�rios e o governo. � nesse sentido o artigo do deputado Delfim Netto, publicado no jornal Valor (11.07.00), que afirma: "� preciso construir institui��es que, sem prejudicar a efici�ncia, garantam aos trabalhadores uma realidade participativa, uma faceta fundamental da aspira��o por �igualdade� que persegue o homem. A sobreviv�ncia da democracia exige que eles se percebam parte integrante e respeitada do processo de crescimento da sociedade e n�o seres alienados para os quais o desenvolvimento material e a liberdade s�o irrelevantes." A seguir afirma ser preciso dar ao cidad�o perspectivas de coopera��o como parceiros, de liberdade criativa e de relativa igualdade. Essas fun��es seriam das empresas, mas cabe ao governo criar o ambiente estimulador para esse novo conjunto de regras, o que permitiria a competi��o sem a perda da perspectiva. E termina seu artigo com um alerta: "Crescimento pela competi��o num regime democr�tico � o nome do jogo. Mas � preciso cuidado e sensibilidade, porque o fundamentalismo mercadista pode fazer muita coisa, mas n�o pode garantir a relativa igualdade entre os indiv�duos, um valor que eles jamais deixar�o de perseguir."

    Vou al�m e acrescento que para essa tarefa de administra��o do jogo n�o se pode contar com o atual governo, n�o s� pela sua falta de sensibilidade, como tamb�m pelo fato de ser ele, o governo, o principal foco de desestabiliza��o economico-social. O que concorre para tanta desilus�o n�o s�o s� os espet�culos a que estamos assistindo de corrup��o, impunidade, irresponsabilidade generalizada. A perda do sentimento de nacionalidade tem muito a ver com a desnacionaliza��o da nossa economia, com a invas�o de empresas estrangeiras, numa esp�cie de demonstra��o pr�tica de que o brasileiro � incapaz de gerenciar e produzir, devendo se restringir apenas � fun��o de rentista, como se dizia no s�culo 19.

    Todo esse processo provocou a exclus�o da classe m�dia do debate e do cen�rio econ�mico. Mandaram-na deixar suas empresas para m�os mais eficientes e que fosse viver de aluguel. O governo atual, com essa pol�tica, sinalizou com clareza que o Brasil n�o ter� grandes empresas de express�o internacional, n�o ter� suas multinacionais. N�o estar� a�, justamente nessa pol�tica de aliena��o patrimonial, uma das principais raz�es da desesperan�a e do pessimismo atual do brasileiro?

    Por tudo isso, quando leio ou ou�o esses apan�gios antigos do liberalismo como o do Estado fraco, da globaliza��o, da m�o invis�vel, fico imaginando qual ser� a rea��o da opini�o p�blica quando afinal acordar e perceber que lhe tiraram tudo e sequer restou o aluguel. Ser� que teremos de esperar e pagar para ver chegar esse momento tr�gico? N�o ser� melhor que, sobretudo como obriga��o da maior parte dos formadores de opini�o, se comece logo a reagir e a defender os leg�timos interesses nacionais?

Barbosa Lima Sobrinho
Presidente da Associa��o Brasileira de Imprensa

Esta cr�nica foi publicada pelo Jornal do Brasil de domingo, 16 de julho de 2000, dia de sua morte.