Em trilha de paca, tatu caminha dentro

Arnaldo Jabor

Hoje n�o tem estilo, n�o tem capricho, n�o tem figuras de ret�rica; nada de met�foras, meton�mias, catacreses ou alitera��es chiques como: �Rara, rubra, risonha, r�gia rosa!� ou �Na messe, que enlourece, estremece a quermesse�.

Hoje vai tudo em bruto, em rascunho, porque descobri na internet que sou uma besta quadrada mesmo (dir�o meus inimigos: �Finalmente, ele se encontrou...�). Eu tenho tra�ado mal tra�adas linhas h� 13 anos (gente... eu escrevo em jornal desde 1991!...) numa m�dia de 60 artigos por ano, o que totalizaria 780 artigos caprichados, e descubro aterrado na internet que sou um animal, um forte asno. Explico por qu�.

Ando pela rua e as pessoas me abordam: �Adorei o seu artigo que est� circulando na internet! Maior sucesso!� Pergunto, j� com medo: �Que artigo?� �Esse texto genial que voc� escreveu e que todo mundo me mandou. Chama-se �Bunda Dura��.

Imediatamente, sinto-me irreal: �Eu sou eu, ou sou outro?� Por um instante, penso que tenham renomeado algo que escrevi, mas respondo: �N�o fui eu quem escreveu esse texto!� Digo isso envergonhado e vagamente agressivo para a pessoa, que logo replica: �Puxa!... mas o texto � otimo, adorei o �Bunda Dura�!� A�, n�o ag�ento e digo: �Voc� acha que eu ia escrever uma bosta dessas?� A�, o admirador do texto ap�crifo, o f� de um Jabor virtual se encolhe meio ofendido, flagrado em sua desinforma��o: �Mas... tem coisas legais...� E eu, implac�vel: �� uma bosta!� A�, o sujeito sai sorrindo amarelo e vira meu inimigo para sempre.

Vejam o efeito da burrice �serial�: um burro me falsifica, um outro gosta e quem paga o pato sou eu. E fico mais invocado ainda porque capricho muito quando escrevo nos jornais, voc�s nem imaginam. Considero o jornal um suporte genial, pois somos lidos por milhares toda semana e podemos falar do mundo ainda quente, sem a busca por transcend�ncias perdidas, tanto assim que, se eu fizer um romance ou um poema �pico em 11 cantos, tentarei escrever com a simplicidade leve que busco em meus pobres artigos. Mas o que realmente me encafifa � ver um clandestino simulando o que eu tenho de pior e tamb�m porque sou amado pelo que n�o sou.

Esse texto da �Bunda dura� est� famoso. Toda hora algu�m me elogia. H� trechos assim:

�Tenho horror � mulher perfeitinha. Sabe aquele tipo que faz escova toda manha, t� sempre na moda e � t�o sorridente que parece propaganda de clareamento dent�rio?

E, s� pra piorar: tem a bunda dura!!! Mulheres assim s�o um porre. Pior: s�o brochantes!�

A�, a admiradora de bunda ca�da repete, feliz: �Adorei!�.

A primeira vez que saiu um tro�o desses (vou escrever de qualquer jeito...) eu encuquei, fiquei na maior bronca e esculachei o carinha que �me tinha metido nessa canastrice� (sacaram os cac�fatos?), pois o dito texto esculhambava a linda amiga Adriane Galisteu. Companheiro leitor, (serei chulo) tu num sabe o bode que essa parada deu, por causa que o elemento apocrifador era um coleguinha jornalista que publicara aquilo num outro jornal, que eu n�o sabia. Ca� de pau no cara e isso me meteu num �cu-de-boi� chato pra cacete e tive de escrever outro artigo para me explicar para a Adriane.

Outros text�culos rolam na internet. Chega a menina sorrindo pra mim: �Rapaz... finalmente algu�m diz a verdade sobre as mulheres na internet! Mandei isso pra mil amigas, principalmente naquela parte que voc� diz: �Elas s�o t�o cheirosinhas... elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...� �N�o escrevi isso...�, respondo. �N�o seja modesto! � a melhor coisa que j� fez!... Olha s� essa parte em que voc� diz: �Elas t�m horror de qualquer carninha saindo da cal�a de cintura t�o baixa que o c�s acaba!�...

Eu jamais escreveria �c�s acaba!�. �Nem vem... � teu melhor texto...� � e vai embora rebolando feliz...

E n�o publicam s� textos safadinhos, mas at� coisas �picas, como uma esplendorosa �Ode aos ga�chos� que eu teria escrito, o que j� me valeu abra�os apertados de machos bigodudos em Porto Alegre, quebrando-me os ossos: �Ch�, tua escritura estava macanuda, trilegal!� Eu nego ter escrito aquele ditirambo meio farroupilha aos bigodudos, mas nego num tom vago, para n�o ser esculachado: �Tu n�o escreveste? Ent�o tu n�o amas nossas prendas lindas, e negas ter escrito aquele peda�o em que tu dizes �que a gente j� nasce montado num bagual�? Aquilo fez meu pai chorar, e o peda�o em que falas que �por baixo do poncho tamb�m bate um cora��o�? Tu t� tirando o cu da reta, ch�?� � e me aponta o dedo, de bombachas e faca de prata. �N�o fui eu, n�o, mas... viva o Ol�vio Dutra!...�

E h� mais. Um deles � sobre �Amores mal resolvidos� onde acho frases profundas como �Voc� sabe, o amor acaba.� Ou �dor-de-cotovelo � quando o amor � interrompido antes que se esgote�... E h� um outro chamado �Cr�nica do amor louco�, onde leio �p�lido de espanto�: �O amor n�o � chegado em fazer contas...� ou �quando a m�o dele toca tua nuca, tu derretes feito manteiga� ou �Ah... o amor, essa raposa...�

Sei que outros escritos fantasmas vir�o, mas saibam que s� existo mesmo nas p�ginas dos jornais onde tenho coluna pelo pa�s afora e que a internet � um deserto virtual, sem ch�o, onde as individualidades se dissolvem e eu viro um nome sem corpo...

Por isso, vou dar um conselho aos meus ghost-writers : Sejam voc�s mesmos! Apare�am na internet, bloguem-se , orkutem-se , spamem suas almas l�ricas, sem receio ou pudor. Lembrando-me daquele japon�s chamado Aki Sujiro, eu aqui sugiro alguns teminhas, para voc�s glosarem.

Aqui v�o: �Tudo sobre minha m�e�, como no filme do Almod�var, ou �Confiss�es de um menino no por�o ou o dia em que dei num troca-troca�, ou at� um texto de cunho mais folcl�rico e regional: �Em trilha de paca, tatu caminha dentro?�

N�o temam, rapazes, n�o se escondam � expressem-se!

GLOBO ON-LINE - 22 de julho de 2004