Os paulistanos(!) que me perdoem, mas ser carioca � essencial. Os derrotistas que me desculpem,
mas o carioca ta� mesmo pra ficar e seu jeito n�o mudou.
Continua livre por mais que o prendam, buscando uma comunica��o
humana por mais que o agridam, aceitando o p�o que o diabo amassou
como se fosse o leite da bondade humana. O carioca, todos sabem, �
um cara nascido dois ter�os no Rio e outro ter�o em Minas,
Cear�, Bahia, e S�o Paulo, sem falar em todos os outros Estados,
sobretudo o maior deles o estado de esp�rito. Tira de letra, o carioca,
no futebol como na vida. N�o � um conformista -- mas sabe
que a vida � aqui e agora e que tristezas n�o pagam d�vidas.
Sem fundamental viol�ncia, a viol�ncia nele � t�o
rara que a express�o "botei pra quebrar" significa exatamente o
contr�rio, que n�o botou pra quebrar coisa nenhuma, mas apenas
"rasgou a fantasia", conseguiu uma profunda e alegre comunica��o
-- numa festa, numa reuni�o, num bate-coxa, num ato de amor ou de
paix�o -- e se divertiu �s pampas. Sem falar que sua divers�o
� definitivamente coletiva, ligada � dos outros. Pois, ou
est� na rua, que � de todos, ou no recesso do lar, que, no
Rio � sempre, em qualquer classe social, uma open-house, aberta
sob o signo human�stico do "pode vir que a casa � sua".
Carioca, �. Moreno e de 1,70 metro de altura na minha gera��o, com muitos louros
de 1,80 metro importados da Escandin�via na gera��o
atual, o carioca pensa que n�o trabalha. Virador por natureza, janota
por defesa psicol�gica, autocr�tico e autogozador n�o
poupando, naturalmente, os amigos e a m�e dos amigos -- ele vai
correndo � praia no tempo do almo�o apenas pra livrar a cara
da vergonhosa pecha de trabalhador incans�vel. E nisso se op�e
frontalmente ao "paulista", que, se tiver que ir � praia nos dias
da semana,vai escondido pra ningu�m pensar que ele � um vagabundo.
Amante de sua cidade, patriota do seu bairro, o carioca vai de som (na m�sica), vai de olho (�
um paquerador incans�vel e tem um pesco�o que gira 360 graus),
vai de olfato (o odor � de suprema import�ncia na fisiologia
sexual do carioca).
Sem falar, que, em tudo, vai de esp�rito; digam o que disserem, o papo, inven��o
carioca, ainda � o melhor do Brasil, incorporando as tend�ncias
b�sicas do discurso nacional: o humanismo mineiro, o pragmatismo
paulista, a verborragia baiana.
E basta ouvir pra ver que o nervo de todas as conversas cariocas, a do bar sofisticado como a do
botequim pobre e sujo, por isso mesmo sofisticad�ssimo, a do living-room
granfa, a da cama (antes e depois), � o humor, a cr�tica,
a piada, a gra�a, o descontraimento. N�o h� deuses
e nada � sagrado no Olimpo da sacanagem. O carioca �, antes
de tudo, e acima de tudo, um l�dico. Ainda mais forte e mais otimista
do que o homem da anedota cl�ssica que, atravessado de lado a lado
por um punhal, dizia: "S� d�i quando eu rio", o carioca,
envenenado pela polui��o, neurotizado pelo tr�fego,
martirizado pela burocracia, esmagado pela economia, vai levando, defendido
pela coura�a verbal do seu humor.
S� d�i quando ele n�o ri.
S� d�i quando ele n�o bate papo.
S� d�i quando ele n�o joga no bicho.
S� d�i quando ele n�o vai ao Maracan�.
S� d�i quando ele n�o samba.
S� d�i quando ele esquece toda essa folclorada acima, que lhe foi impingida anos a fio
com o objetivo de torn�-lo objeto de turismo, e enfrenta a dura
realidade... carioca.
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